segunda-feira, 21 de julho de 2014

Notas

Naquele dia, passavam poucos minutos das 10h da manhã, e o Americano estava encostado no canto da sala de reuniões. A reunião vai começar não tarda, ainda faltam chegar algumas pessoas. O Americano olha pela janela contemplando mais uma vez o cenário que o rodeava. Os dois enormes edifícios à sua frente ardem que nem duas chaminés e o tempo parece ter parado, excepto dentro do escritório. O Americano olha para a rua em baixo a mais de vinte andares de altura. Os carros não estão a circular e o numero de pessoas na rua multiplica-se que nem formigas desorientadas.

O Americano pega nas suas coisas e vai abandoner a sala. A sua colega segura-lhe pelo braço na ombreira da porta “onde vais? Ninguém disse que podíamos sair…” e acrescenta com um ar preocupado “acabamos de encomendar o almoço”. O Americano olha para ela incrédulo e responde… “… estão dois prédios a arder à nossa frente, o espaço aéreo esta fechado… estamos a um quarteirão do Empire State Building e vocês querem esperar pelo almoço?” e acrescenta apontando para a rua “e quem é que vai trazer o almoço?”

Horas mais tarde naquele fatídico dia 11 de Setembro de 2001, a população de Manhattan descobriu-se presa na ilha por ordens militares que impediam que cidadãos saíssem ou entrassem – a exceção das limousines com os diplomatas da cidade – e George W. Bush aconselhava os cidadãos a fecharem-se em casa e barrarem as ranhuras da porta com fita cola…

O Americano apercebeu=se que a sua vida valia muito pouco.

Durante meses a cidade de Nova Iorque mergulhou num clima de solidariedade e companheirismo que pedia afastamento da campanha militar do restante Pais contra os supostos responsáveis desta tragédia. E dia-a-dia passaram a ser confrontados com um novo sentimento estratégico – o medo.

Hoje ao ligar a televisão a quantidade de noticias que puxam ao decima os problemas do mundo ultrapassam em percentagem as restantes, deixando pouca margem para a procura de esperança nos meios de comunicação em favor duma política de medo. Esta cansativa situação impede muitos de ler jornais ver o Telejornal. No espaço duma semana assistimos à queda propositada de um avião comercial a mais uma ofensiva no confronto Israel-Palestina.

A calma e silenciosa biblioteca da Universidade de Goldsmiths, onde estou sentado, contrasta com a raiva que me corre nas veias pela incapacidade de acção perante ambas as situações. 

Então eu escrevo.
Para quê?

Este fim-de-semana fui presenciado por uma situação maravilhosa. Tornei-me no novo membro da organização budista SGI-UK (cuja representação portuguesa também existe - http://www.sgi-portugal.org/). Nos 4 meses desta escalada conheci variados membros que me ofereceram apoio duma forma como nunca assistira. O principal objectivo passa pelo desenvolvimento individual a favor dum colectivo. 
O mundo é uma merda, e os obstáculos são inevitáveis. Cada um de nós tem o poder de mudar. Uma pessoa pode mudar o curso da História. Já foi provado inúmeras vezes, maioritariamente para um resultado pior. Por esta linha de pensamento, o contrario também é possível. Eu não tenho o poder de parar o conflito em Gaza, nem de apontar o dedo a responsabilidades pelo desastre do voo MH17 da Malaysia Airlines. Mas tenho o poder de escrever este texto.

Não quero com isto dizer que desejo uma revolução. Não preciso de sublinhar o que no intimo todos sabem: há uma bolha prestes a rebentar que tem vindo a crescer com o total descontentamento perante governos, economia, guerras e carnificina. Estes dois acontecimentos que marcaram a semana incitam de novo a ideia o Americano sentiu no dia 11 de Setembro em Manhattan – uma vida humana já não tem valor – se é que alguma vez teve.

Não podemos fechar os olhos a isto: justifica-se que um avião comercial seja abatido em prol de um conflito de gerações por um pedaço de terra? Se o limite não é traçado neste momento, quando e onde será?


Eu não posso mudar esta visão. Posso ajudar aqueles que se sentam ao meu lado a levantar se tropeçarem. E daqueles que, com algum poder de mudança possam ler textos como este.

1 comentário:

  1. Grande texto Carlão ;) Fico feliz pela nova experiência em grupo,deve ser fascinante a nível pessoal e humano! Gostava só de reforçar que vale sempre a pena escrever e partilhar a nossa opinião. Tal como o bem, a informação é uma corrente. Que pode ser usada para pressionar quem comete erros. Assinar petições, partilhar. Mobilizar de centenas de modos. Sem extremismos. Nunca foi tão fácil fazê-lo nesta época com redes sociais. O mundo está a tomar um destino trágico por um lado e muito do que se passa hoje sempre ocorreu, mas ainda há muita bondade que vemos no dia a dia e acima de tudo há pequenos grandes acções que todos podemos fazer :) abraço de saudades champ!

    ResponderEliminar